Agronegócio em Goiás: Números, Desafios e o Futuro da Produção Sustentável
O cheiro da terra molhada, do adubo e, por vezes, do suor pesado é quase um cartão postal de Goiás. No coração do Brasil, o agronegócio pulsa com uma força que impressiona, empurrando a economia do estado para números que, à primeira vista, parecem de outro mundo. Mas, como jornalista que já viu muita água rolar por essas bandas, sei que por trás dos cifrões e das colheitas recordes, a realidade é sempre mais complexa, mais matizada. É preciso olhar com lupa, não com óculos de festa.
Goiás, para quem ainda não se deu conta, não é só capital da música sertaneja ou terra do pequi. É um gigante silencioso, um celeiro que alimenta mesas Brasil afora e enche contêineres rumo aos mais diversos cantos do planeta. A questão que fica é: a bonança chega para todos? E qual o preço que se paga por essa prosperidade?
Agronegócio Goiás: Os Números Falam Alto (Mas Não Contam Tudo)
Basta uma olhada nos dados mais recentes para entender o tamanho da brincadeira. O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio em Goiás é um capítulo à parte na economia nacional. Soja, milho, cana-de-açúcar, carne bovina – a lista é longa e o volume, impressionante. Em 2023, o setor continuou a ser a locomotiva que puxa o desenvolvimento goiano, com cifras que fazem qualquer economista arregalar os olhos.
Mas, sejamos francos, números por si só são frios. Eles mostram o “o quê”, mas raramente o “como” ou o “para quem”. Olhemos para a soja, por exemplo, a grande estrela. Centenas de milhares de hectares dedicados a uma única cultura. Isso é eficiência ou dependência?
Para se ter uma ideia mais clara, vejamos alguns dados recentes que ilustram a magnitude do setor:
Cultura/Rebanho | Volume de Produção (Estimativa 2023/2024) | Participação no VBP Agrícola Goiano |
---|---|---|
Soja | Mais de 17 milhões de toneladas | Aproximadamente 50% |
Milho | Cerca de 12 milhões de toneladas | Em torno de 15% |
Cana-de-Açúcar | Mais de 70 milhões de toneladas | Cerca de 10% |
Pecuária (Bovinos) | Maior rebanho do Brasil (exceto MT) | Considerável, em constante crescimento |
Fonte: Adaptado de dados da CONAB, IBGE e FAEG.
Esses números são a espinha dorsal de Goiás. Mas não podemos nos iludir: a força do agronegócio esconde, por vezes, uma fragilidade, a dependência das commodities e do mercado internacional.
A Lida Diária: Quem Semeia e Quem Colhe os Frutos?
Visitar uma fazenda em Goiás é ver a força do trabalho no campo. É gente que levanta cedo, enfrenta sol a pino, chuva torrencial e a incerteza do clima. Mas a imagem romântica do produtor rural, sozinho em sua terra, é cada vez mais distante da realidade. Hoje, o agronegócio é um negócio de larga escala, com poucos e grandes players dominando a maior parte da produção. O pequeno e médio produtor? Ah, esse batalha para sobreviver, espremido entre os custos crescentes e a volatilidade dos preços.
“Olha, é… é complicado. A gente trabalha, trabalha, mas o poder de compra, sabe? Parece que não sai do lugar”, desabafa Carlos, um motorista de aplicativo que há duas gerações sua família tinha uma pequena lavoura de milho, agora arrendada para um grande grupo. “As máquinas chegam, tiram a mão de obra. E pra quem fica, é mais difícil segurar as pontas.”
É uma verdade dura. A modernização trouxe eficiência, sim, mas também uma concentração de renda e terra. Os desafios para o produtor rural em Goiás vão além do clima. Logística precária para escoar a safra, juros bancários que tiram o sono, a burocracia que emperra qualquer iniciativa. É um cenário de Darwinismo econômico, onde só os mais fortes – ou melhor, os mais capitalizados – conseguem se manter no topo.
O Preço da Terra: Entre o Progresso e a Ferida Ambiental
Não se faz um celeiro do tamanho de Goiás sem mexer na paisagem. E aqui a conversa fica séria. A expansão desordenada da fronteira agrícola deixou cicatrizes profundas no Cerrado, um dos biomas mais ricos e ameaçados do mundo. Desmatamento, uso intensivo de agrotóxicos, contaminação do solo e da água. O impacto ambiental do agronegócio em Goiás é uma conta que a sociedade ainda está tentando fechar.
O discurso oficial fala em sustentabilidade, em responsabilidade ambiental. Mas a prática, muitas vezes, ainda está a anos-luz da teoria. As leis existem, é verdade, mas a fiscalização? E as multas? No fim das contas, o buraco é mais embaixo. Quantos córregos deixaram de correr com a mesma força? Quantas espécies perderam seu habitat para dar lugar a mais um campo de soja?
É inegável que há iniciativas, há quem busque um caminho mais verde. Mas, diante da pressão pela produtividade e pelo lucro, a balança pende perigosamente para o lado da exploração. Não é pessimismo, é realismo. É ver o que está acontecendo nas nascentes, nas matas ciliares que antes protegiam os rios e hoje dão lugar a lavouras a perder de vista.
Tecnologia no Campo: A Solução ou Mais um Divisor?
Goiás não está parado no tempo. Longe disso. A tecnologia avança a passos largos no campo goiano. Drones que monitoram lavouras, tratores autônomos guiados por GPS, biotecnologia que promete sementes mais resistentes e produtivas. É a agricultura 4.0 em pleno vapor, prometendo uma revolução na maneira de produzir.
São avanços importantes, claro. Otimizam o uso de insumos, reduzem perdas, aumentam a produtividade. Mas, novamente, a pergunta pertinente: quem tem acesso a isso? A tecnologia, por mais promissora que seja, custa caro. E quem paga a conta, no fim das contas, é o produtor. Os grandes grupos têm capital para investir em inovação, para colher os frutos da pesquisa. Os pequenos, muitas vezes, ficam para trás, operando com técnicas e equipamentos defasados.
Há um abismo crescente entre a agricultura de ponta e a agricultura de subsistência. E a tecnologia, ao invés de nivelar, pode acabar acentuando essa diferença, criando um ciclo vicioso onde o pequeno se vê cada vez mais marginalizado.
O Futuro do Agronegócio Goiano: Entre o Otimismo e a Cautela
Não há como negar: o agronegócio é e continuará sendo a força motriz de Goiás. É um setor resiliente, que se adapta às crises e continua a gerar riqueza. As projeções apontam para mais crescimento, mais produção, mais exportações. O apetite global por alimentos e energia é insaciável, e Goiás está pronto para suprir parte dessa demanda.
Contudo, a prosperidade não pode vir a qualquer custo. É preciso um olhar mais atento para as questões sociais e ambientais. A distribuição de renda gerada pelo setor precisa ser mais equitativa. A proteção do meio ambiente não pode ser vista como um entrave, mas como um investimento no futuro. O equilíbrio entre o lucro e a responsabilidade é a chave para que a pujança do agronegócio goiano seja, de fato, sustentável e benéfica para todos.
O campo em Goiás é um espelho do Brasil: vasto, rico, cheio de potencial. Mas também marcado por desigualdades, desafios e uma necessidade urgente de repensar as prioridades. O jogo ainda não acabou. E a torcida, seja ela do produtor, do ambientalista ou do cidadão comum, quer um resultado justo, que honre a terra e seu povo.